Na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), o número de atendimentos envolvendo violência policial aumentou 41% em 2022, na comparação com o ano de 2021. Os dados foram divulgados na última terça-feira (28) pela instituição, em evento que abordou o tema, trazendo relatos de experiências e debates.
Ao longo de todo o ano de 2021 foram registrados 751 atendimentos, enquanto que, em 2022, esse número subiu para 1.061. Entre os 625 casos recebidos apenas pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDDH) da DPE, 493 envolveram relatos de violência perpetrada por agentes da Brigada Militar; 88 por agentes da Polícia Civil; 13 por agentes de Guardas Municipais; oito casos com relatos de agressão perpetrada, conjuntamente, por agentes da Brigada Militar e da Polícia Civil; quatro por agentes da SUSEPE; e 19 casos em que não houve identificação da instituição envolvida.
Desses 625 casos, 239 geraram novos expedientes administrativos para acompanhamento do Núcleo, o que representa um aumento de 71% quando comparado ao ano anterior, no qual haviam sido instaurados 139. Porto Alegre é a cidade que concentra quase metade dos relatos (300), seguida por Canoas (40), São Leopoldo (33), Alvorada (27) e Viamão (23).
Ainda sobre os casos recebidos exclusivamente pelo NUDDH, a grande maioria dos denunciantes disse ter sofrido violência física. Outros relataram ainda ameaças verbais, sufocamento, invasão de domicílio, choque elétrico, destruição/apreensão de bens, entre outras formas de violência. O mesmo relatório mostra ainda que, no período de 2022, aconteceram seis mortes em decorrência de ações policiais.
Já as audiências de custódia pularam de 677 em 2021 para 10.476 em 2022. Conforme a dirigente do NUDDH, Aline Palermo Guimarães, esse dado foi fortemente impactado pelo contexto da pandemia de covid-19, uma vez que as medidas de isolamento social impediam a transferência dos presos e a própria presença de servidores e membros do sistema de Justiça.
“Outro fator importante foi a criação do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (NUGESP), inaugurado em junho de 2022, que passou a concentrar a realização de todas as audiências de custódia referentes às prisões ocorridas em Porto Alegre e em outras 25 comarcas”, disse.
A apuração das denúncias de violência policial resultou na elaboração de 992 peças, o que envolve, além das peças jurídicas, o envio de ofícios e a elaboração de portarias, despachos, pareceres e memorandos nos expedientes administrativos instaurados pela Defensoria Pública.
Conforme Aline, uma novidade criada no ano passado foi a inclusão de um campo de registro, no sistema da Defensoria Pública, que especifica o Batalhão ao qual pertencem os policiais militares apontados como agressores – isso no que se refere aos casos envolvendo relato de violência perpetrada por agentes da Brigada Militar. Dessa forma, a apuração e resolução do caso se torna mais eficaz.
“Apesar do aumento dos números, é possível observar, no ano de 2022, a elaboração e implementação de iniciativas em prol da garantia de direitos humanos, tais como os esforços dos Poderes Executivo e Legislativo para adoção de câmeras corporais no uniforme de policiais, bem como a continuidade do trabalho das diversas corregedorias no intuito de investigar e solucionar as denúncias recebidas. Os dados aqui apresentados dizem respeito apenas à atuação da Defensoria Pública, mas espera-se que o levantamento oportunize a órgãos e instituições públicas a reflexão conjunta e a implantação de medidas voltadas à compreensão e superação de violações de direitos humanos”, conclui Aline.
O relatório está disponível clicando aqui.
Debates e relatos de experiências
O evento no qual os dados foram apresentados por Aline e a subdirigente do NUDDH, Cristiane Chitolina Friedrich, também trouxe debates e relatos de experiências sobre o tema violência policial.
O segundo módulo, por exemplo, tratou das audiências de custódia, com mediação da defensora pública Larissa Avena Dall’ Agnol. A mesa contou com a presença da juíza de direito Priscila Palmeiro, que abriu sua fala afirmando que apenas Estados totalitários não debatem suas práticas. “Precisamos olhar com olhos de ver, compreender o que é silenciado. Precisamos falar da necessidade de implementação de mecanismos de controle da atuação policial. E a crítica não vai aos policiais, mas ao sistema. O excessivo uso da força configura violação de direitos humanos”, defendeu.
A defensora pública e assessora técnica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Mariana Py Muniz, também trouxe sua experiência com o tema. Segundo ela, a problemática da violência policial não está apenas no campo jurídico, mas também no campo social. “Essas pessoas não se percebem vítimas de violência policial porque no território delas isso já é a realidade. Precisamos perceber a institucionalização desse fenômeno e a estrutura que o compõe, porque não estamos falando de casos isolados. Não é a maçã podre. Estamos falando de algo que permeia a construção das instituições policiais”, explicou.
O módulo três trouxe o relato de experiência de Rai Duarte, torcedor do Brasil de Pelotas, vítima de violência policial. A mesa foi mediada pelo defensor público e membro do NUDDH, Rodrigo Simon. “A brutalidade que aconteceu comigo, eu espero que não aconteça com ninguém. Tu vai assistir um jogo e não volta, é internado num hospital”, comentou Duarte.
O advogado criminalista Marçal Carvalho também integrou a mesa e fez um paralelo entre o racismo estrutural e a violência policial, lembrando que as polícias militares surgiram após a abolição da escravatura, como forma de evitar que os negros circulassem em determinados espaços. Segundo ele, o Estado exclui os negros, marginalizando-os, fragilizando-os e depois prendendo-os. “É o Estado que decide quem vive e quem morre. E é o Estado que decide de acordo com a cor da tua pele. Estar sob atividade suspeita significa ser negro”, lembrou.
Por fim, os impactos sociais e na saúde mental foram os temas da última mesa, que contou com a fala da psicóloga e servidora da DPE/RS, Simone Cruz. De acordo com ela, o luto por alguém que morre vítima de violência policial vai além do luto familiar. “Ele é de toda uma comunidade, da sociedade.”
Fotos e texto: Camila Schäfer – ASCOM DPE/RS
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